28 de maio de 2008

"CHÉ MACANUDO, VÓS ESTAIS VIVO!"

Gente da Nossa Gente

UM CASO DE EMIGRAÇÃO

Neste rectângulo enclausurado entre o Atlântico e Espanha, a emigração tem sido sonho, anseio de vida melhor, modo de saciar a necessidade de aventura e uma maneira de conhecer novos espaços e gentes.

As motivações para deixar o torrão natal têm variado ao longo do tempo, mas a emigração alargou os horizontes e foi uma escola de vida para milhares de portugueses.

Ora, para António Bolo, bustoense de larga nomeada, o desejo de aventura nasceu cedo e a esse desejo tudo sacrificou e muitos sacrifícios passou para cumprir o seu destino.

Da escola nem queria ouvir falar e, não raras vezes, a trocava pela prática da natação na "bala do Sardo". Quem por lá passava não deixava de o repreender, mas este logo ripostava: "Más vále sabêre nâdáre que sabê lêre. Pôque se caira à máre se agarra à salguêra!"

Jovem adulto, parte com Pedro Crespo para a Argentina, destino pouco frequente dos nossos conterrâneos. Lá conseguiram facilmente emprego. Enquanto Pedro Crespo, que aprendera o ofício de Ferreiro com o velho Aires da Azurveira, se emprega nas oficinas da "Ferro Carril da Argentina, o António Bolo arranjou trabalho em "Las Pampas" e, mais tarde, dedicou-se ao comércio ambulante.

Embora separados, os dois aventureiros, passavam juntos o fim-de-semana para matar saudades e falar da terra e dos amigos que tinham deixado, tomar um copo e a banquetear-se com a divina parrilha argentina que se vendia pelas ruas da Buenos Aires.

Contudo, os ares argentinos foram contaminados por grave endemia febril, que prostrou o António no hospital.

Quando disso soube, o Pedro passou a visitar o amigo todos os dias à noite. Mas, certo dia, levado por um estranho pressentimento, foi visitar o amigo. Contudo, nem o pressentimento o preparou para a surpresa que o aguardava.

A emigração também é conhecida pela sua fertilidade em episódios rocambolescos, um deles protagonizado por António Bolo.

Na noite anterior, o António, debilitado pela febre, tresloucou quando a "irmã de caridade", lhe quis dar um "caldito". Delirante, supôs que aquela lhe queria dar o "caldo da meia-noite". Sem delongas, pontapeia a malga do fervente líquido que se derrama sobre o peito da "alma caritativa" e, sem papas na língua, exaspera-a com quantos filha sabe- se lá de quem... conhecia e, cai num profundo desmaio.

As pessoas que ocorreram aos gritos da escaldada "irmã" tiraram-no, sem contemplações, para a morgue para acabar com a pouca vida que lhe restava.

Todavia, a fria laje, para onde o arremessaram, teve o condão de lhe baixar a febre e acordar o "galo" que ganhara quando foi despejado na morgue, depois da sua proeza.

Na manhã seguinte, Pedro Crespo, é informado que o amigo falecera durante a noite. Consternado, pede para o ver. Chegado à morgue, para prestar a última homenagem, quase desmaia de susto ao verificar que o seu amigo estava vivo e lança esta expressão aprendida na Argentina: "Ché macanudo, vós estais vivo!"

Depois de se refazer do susto e de se exultar pelo facto de o amigo estar vivo, transporta-o para outro hospital até este se restabelecer.

Tempos depois, ambos regressam à terra natal. Pedro volta às lides agrícolas. António Bolo envereda pelo comércio da batata, jactando-se de ser muito rico.

Tanto se pavoneou com a sua riqueza que, os autores da revista ‘Bustos em Cuecas’, o satirizaram num dos seus quadros, deste modo:
«Quando eu vim do estrangeiro
trouxe muito dinheiro.
Não há ninguém comamim
Quando eu faço os meus comprados,
São logo pagados,
Porque trouxe muito pilim.»

Com o decorrer do tempo, cada um seguiu com a sua vida, mas o António Bolo sempre que matava o porco, pescava enguias ou fazia uma peixada, convidava o Crespo para a festança em honra da aventura e da amizade.

Infelizmente, hoje já não é assim, porque todos querem ser grandes antes de serem humanos.
Ulisses de Oliveira Crespo, cronista da vila.

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