29 de agosto de 2005

MANUEL SIMÕES LUZIO JR: A HOMENAGEM QUE FALTAVA - 1

Manuel Simões Luzio Jr. nasceu no Barrôco da Póvoa em 6/6/1919. Aprendeu as primeiras letras (1ª e 2ª classe) na casa do avô, Manuel Simões Luzio, que disponibilizou uma sala para o ensino primário. Foi seu professor Manuel Martins, de Perrães. A 3ª classe fê-la no Sobreiro, na casa onde veio a funcionar o restaurante Ti Maria, ali onde recentemente nasceu a ampla rotunda. A 4ª classe, essa, já decorreu na Escola Primária de Bustos, então ainda em obras e que em 1929 foi rebocada e pintada por dentro para receber os primeiros alunos.

Só que aos 8 anos o Ti Manuel Luzio já mostrava inclinação para as artes: pela mão de sua mãe, Maria Ferreira (a “Ti Maria dos Ovos”, que ainda conheci) entrou numa peça teatral que foi representada no espaço da serração do Ti Sebastião Fabiano, entretanto encerrada por força da grande crise que assolou muitos pequenos empresários da região e levou à falência alguns estabelecimentos de Bustos.
O Ti Manuel Luzio representou um monólogo, “O Vaidoso” e foi essa a alcunha que o haveria de acompanhar nos anos da sua juventude.

As peças de teatro sucederam-se, sempre sob a batuta da mãe e, entre outros que não recorda, faziam também de actores: o Ti António Serralheiro, da Póvoa, o Ti Carradas (Manuel Augusto Simões), o João Camarneira, do Cabeço e o Balsas carpinteiro, que trabalhava cá mas era dos lados de Montemor-o-Velho, da terra que lhe deu o nome.
Aos 14 anos já andava metido nas famosas “contradanças” (1), uma bem articulada forma de dança popular de salão e de rua, em moda a par das afamadas “cégadas”. Também não admira: Bustos era terra de progresso e intervenção cívica e política, com dois jornais editados na terra, “Farol da Liberdade”, publicação republicana e regionalista que saiu na Quinta Nova em 1916 e 1917 e “Alma Popular” (1918-41), uma revista literária e científica,“Esperança”(1925/26), do Padre Agostinho Pires e Estação Telégrafo-Postal (1928). (2)

Aos 18 anos tinha por companheiros de contradança Manuel da Barroca, Augusto Micaelo, Manuel Serafim, o irmão António, Adelino Pardal, Rodolfo Reis, Aniano Martins, António Maria Barreira (da Malhada), grupo que se apresentou à população com uma encenação intitulada “Como é linda a nossa Terra”.
Até que chegou a saudosa revista “Bustos em Cuecas”, esse ex-libris das manifestações teatrais e revisteiras de Bustos. Estava-se em 1937 e um dos quadros rezava assim:
Sou dos filhos de ninguém
Que Deus fadou na aventura
Minha Mãe, se eu tive Mãe
Foi de certo a noite escura.

[Refrão]
A sina que hei-de cumprir
Esta sina a caminhar
Se chego penso em partir
Se parto penso em voltar
*
Assentei praça em menino
Fui sempre soldado raso
Minha bandeira é o destino
Meu capitão o acaso


Claro que o amigo Manuel Luzio Jr. não ficou de fora e entrou em vários quadros. Nem se ficou pela célebre revista, pois voltou ao teatrinho de aldeia e bem acompanhado: Rodolfo, irmão António, tia Cremilde, Nina Fabiano (mulher do Pompeu), Irene do Rodolfo, Carmindo Rodrigues da Palhaça (irmão dum futuro seu sócio na Venezuela) e os irmãos Luís e Justino Branco, estes da Malhada.
Só que agora as peças teatrais passaram a ter assento bem no centro de Bustos, no recém inaugurado Centro Recreativo de Instrução e Beneficência (1936). “As Duas Gatas”, “Visconde da Ribeira Branca”, “Almas do Outro Mundo”, “Um Erro Judicial”, a par de cançonetas, duetos e monólogos, eram ali representados no período do inverno, quando era menor o desassossego das lides do campo.
As peças, todas de “Theatro Escolhido, Proprio para Amadores e de Agrado Certo”, essas eram mandadas vir de Lisboa pelo Ti Albertino Luzio e já vinham com as encenações explicadas.

Mas o gosto pelo teatro e contradanças era para as horas livres. Entretanto e como era próprio de filho de lavradores, ajudava os pais nas lides do campo e trabalhava “de fora”, à jorna. Queria seguir os passos do avô e dos tios Eusébio e Amador, na arte da carpintaria, mas acabou por ser aprendiz de barbeiro com mestre António Alves, no local onde hoje é a casa dos herdeiros do João Augusto Pedro, ali em frente ao cemitério. Ainda se lembra bem da navalha “Bismark” que usava e de ir à loja comprar uns tostões de aguardente para desinfectar a cara dos clientes.
Ao fim de 2 anos estabeleceu-se na casa do pai, por conta própria, onde acabou por ensinar 4 dos seus irmãos: António, Arménio, Virgílio e Mário, que o João, esse, não sentia o gosto pela arte. Os clientes, claro, eram avençados e recebia-se em géneros; chegou a fazer 6/7 mil quilos de milho por ano, a par da batata, feijão, abóboras e cebolas.
Acabou por mudar a salinha da barbearia para a casa da Ti Joana do Fabiano, no princípio da Póvoa e daí seguiu para a tropa, deixando a barbearia aos irmãos.
Quando regressou do Regimento de Cavalaria 5, de Aveiro, já a barbearia funcionava na casa que foi do Veiga e onde existiu a farmácia de Bustos antes da mudança desta bem para o centro do lugar. Foi o 1º a comprar (no Porto) espelhos e cadeiras rotativas, com que recheou a “Barbearia Luzios”.
Enquanto esteve na tropa cuidou de fazer o 1º ano de Comércio na Escola Fernando Caldeira, em Aveiro, que o brindou com uma classificação (18 valores) que lhe haveria de ser muito útil nas tarefas que o esperavam na vila de Oliveira do Bairro, a tratar das senhas e cadernetas para o sulfato, criadas pela Junta Nacional de Vinhos e Grémio da Lavoura por via do racionamento imposto pela 2ª grande Guerra.

A ida para a Venezuela veio logo a seguir (22/9/48) a ali se manteve ligado a actividades sociais e recreativas, que retomaria com a criação do Orfeão de Bustos após o seu regresso definitivo no 1º dia do ano de 1981.
É do que falaremos mais tarde.

Mais do que o autarca, deveria ter sido este o cidadão de Bustos a receber no passado dia 26 a Medalha Municipal de Mérito – Autarca, Grau Prata.
Porque não nos faltam os autarcas e muito menos os candidatos a autarcas.
Falta-nos, sim, é recuperar a Escola de Artistas que à luz das velas ou do luar encheu as noites de Bustos durante toda a 1ª metade do Séc. XX.
*
(1) de “country dance” ou “contredanse”, dança campestre explicada em
http://attambur.com/Recolhas/Estremadura/Dancas/contradanca.htm.
(2) ler “Bustos – Elementos para a sua história”, de Arsénio Mota, ed. da ABC de Bustos, 1983, a págs. 28 e seguintes.

*
Oscar de Bustos

3 comentários:

  1. Anónimo19:56

    A cerimónia teve lugar no dia de São Feriado do CDS.

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  2. Anónimo20:00

    Parabéns pelo excelente texto e pela homenagem. Isto é verdadeiro serviço público! Parabéns!

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  3. Anónimo07:36

    Parabéns pelo reconhecimento público. Aqui está uma personalidade que poderia ter feito parte da comissão de demarcação dos limites e fronteiras das freguesias vizinhas de Bustos.

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