O centro de Bustos em meados da década de setenta. Foto de Milton Costa
Muito interessante esta faceta do doutor Milton Costa! A par
das narrativas singulares que nos traz das suas pesquisas científicas e das
suas outras viagens pelos lugares sagrados e pelo mundo, conduz-nos, aqui e
agora, numa “fotográfica” viagem, recuperando, eivadas de intemporalidade, as figuras
que se movimentam na dura multiplicidade dos trabalhos do campo, mas onde, e
para sempre, se elevam os laços inquebráveis de união, de pertença, de
fraternidade.
Traços de ruralidade, de transações comerciais pelas feiras,
tendas e vozes pejadas de anseios, vaivém de beleza e de cores, presença úbere
das vacas leiteiras, nas suas malhas brancas e pretas sem preconceitos,
lambendo as crias cheirando a leite; lavados estão já os cestos para a próxima
vindima, e nas fartas adegas, néctares e deuses repousam quase adormecidos nos
espessos tonéis, sonhando provadores; fumega toda a noite o cheiro acre do
bagaço na destilaria que as carroças aguardam, respeitando a chegada, enquanto
se colhem das bicas transparentes, amostras de aguardentes fortes e perfumadas
de sabores, que hão-de abrasar, pelas vinhas, os braços vigorosos dos homens,
no chamamento ritmado das suas cavas.
Fazem-se as colheitas, apanham-se as ervas de pasto e os
canoilos de milho, preparam-se sabiamente os cabanais, em arquiteturas de
experiência, conhecedoras que são das chuvas e dos ventos tantas vezes
contrários, que os animais, dormindo ao lado, também são “gente” estimada, e
altamente cooperante na economia dos lares.
Os sinos tocam as dez, lembram que o dia começou às sete, ou
mais cedo ainda, pára-se para a “ bucha”, espécie de almoço antecipado, momento
de tréguas em mais um dia que se prolonga até às Trindades, as forças suadas,
esmorecido o olhar, muito longe as conversas que avivaram risadas trazidas a
lume pelos mais recentes amores e desamores, vividos ou romanceados, de toda a
aldeia e redondezas.
Quando finalmente tudo se aquieta no descanso domingueiro,
adornado de roupas frescas e lavadas nas fontes, coradas ao sol e branqueadas
de cloreto, compensam-se, então, em sorrisos e cumplicidades, os mimos doces
que o trabalho adiou…
“Um outro olhar…” –
fotografias, relíquias, presentificadas em rostos que cedo aprendemos a
respeitar e que avivam espaços e memórias de uma terra que nos ajudou a
construir…
Obrigada, Milton, mais
uma vez, por tanta maravilha!
Irene Micaelo
Coimbra, 22/04/2015
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