27 de abril de 2015

BUSTOS EMFORMA, NOS TRILHOS DA VILA



A associação Orfeão de Bustos, em parceria com um grupo de amigos amantes do desporto, os “Pé de Atleta”, levou ao terreno a IX Caminhada/“Free Trail” de Bustos, no dia 26 de abril de 2015. Partiram, às 10 horas da manhã e em simultâneo, todos os atletas e caminhantes para um "Trail" Curto K15 e para a caminhada de 5 km, respetivamente, com trajetos distintos mas pontualmente coincidentes, potenciando reencontros para a motivação mútua entre os diferentes participantes. Redescobriram-se recantos da Vila, para muitos desconhecidos (principalmente para os inúmeros forasteiros), e a organização orgulha-se de todas as pessoas terem respondido afincadamente ao seu apelo de nada mais deixar para trás senão as suas próprias pegadas, apanágio de um bom caminheiro!
A adesão foi muito significativa, com cerca de 250 pessoas de todas as idades a partilhar o mesmo gosto e sentido de responsabilidade para com a sua própria saúde. Num tempo em que os desequilíbrios alimentares, o sedentarismo e o stress avançam indiscriminadamente sobre a população, iniciativas destas pecam pela escassez, tal o seu significado. Ainda assim, "cabe a cada um de nós vislumbrar nestas oportunidades o rastilho para aquisição de hábitos mais coincidentes com a manutenção do bem estar individual e coletivo", desafia a presidente do Orfeão de Bustos, Drª Cláudia Varandas. Tomando como indicador a adesão crescente ao longo destes anos, bem como o aumento da frequência com que se veem cada vez mais grupos a calcorrear as estradas da região, pode considerar-se que a mensagem está a passar com eficácia. Talvez para este sucesso contribua o caráter não competitivo da jornada, vinculando-se, assim, o objetivo pedagógico que emerge das intenções dos organizadores. A gratuidade da participação também ajudou, certamente, à enorme adesão. A este propósito a direção do Orfeão de Bustos e o grupo “Pé de Atleta” congratularam-se com o apoio da Junta de Freguesia da União de Freguesias de Bustos Troviscal e Mamarrosa, da Câmara Municipal de Oliveira do Bairro, do Centro Municipal de Marcha e Corrida de Oliveira do Bairro, da GNR de Bustos, com a colaboração das empresas patrocinadoras e das muitas pessoas que ajudaram a levar a cabo esta empreitada que ultrapassou largamente as fronteiras geográficas do concelho, tendo-se registado inscrições de atletas de alguns concelhos vizinhos. É importante, também, frisar a importância da colaboração entre a população, a título individual ou em grupo – como é o caso dos membros do grupo “Pé de Atleta” - e as associações, que vivem para a comunidade e nada mais pedem que uma participação efetiva das pessoas, potenciando o seu dinamismo, dando-lhe rosto.
A organização agradece e partilha com todos, por igual, o sucesso da iniciativa que muito a motivou para a sua continuidade. E a população agradece!

Agradecimentos:
- Grupo de amigos "Pé de Atleta"
- Junta de Freguesia da União de Freguesias de Bustos, Troviscal e Mamarrosa,
- Câmara Municipal de Oliveira do Bairro, Centro Municipal de Marcha e Corrida de Oliveira do Bairro,
- Destacamento de GNR de Bustos,
- Bombeiros Voluntário de Oliveira do Bairro,
- ABC de Bustos
- Café Zulmar, de Bustos,
- Supermercados Paradi e Ponto Fresco,
- Adélio Lourenço,
- Casa do Lavrador,
- fotógrafos de serviço Telmo Domingues, Ricardo Martins, Zulay Campolargo, Sérgio Pato,
- SobreirAuto,
- Electro Silvério,
- a todos os colaborantes que ao longo do percurso ajudaram no controlo de trânsito.
- a todos aqueles que direta ou indirectamente ajudaram para que esta atividade acontecesse. Obrigada a todos

VITÓRIAS DO ATLETISMO DO COLÉGIO DE BUSTOS E DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA TÊM RAÍZES NA ADERCUS

BEATRIZ RODRIGUES DESTACA-SE EM PISTA
 25/26-04-2015
ADERCUS - Beatriz Rodrigues


Numa semana de intensa competição, a atleta juvenil Beatriz Rodrigues dividiu-se entre competições escolares e distritais, tendo corrido sempre ao seu melhor nível, com a obtenção de records pessoais. Há uma semana, no sábado dia 18 de abril, foi a vencedora do “Km Jovem” distrital, disputado na pista da Universidade de Aveiro, tendo alcançado a marca de 3min00,87seg. Passados alguns dias, na quarta-feira, [Beatriz Rodrigues] voltou a correr a distância de 1.000m, na fase local do projecto “MegaSprinter” do Desporto Escolar, em representação do Instituto de Promoção Social da Bairrada, que decorreu na pista de atletismo do Estádio Municipal de Vagos, no qual também foi a vencedora, com o registo de 3min00,20seg. No sábado e domingo voltou à pista, no Centro de Estágios do Luso, para competir nos campeonatos distritais de Juvenis, nos quais conquistou duas medalhar de vice-campeã distrital, com records pessoais nos 300m, distância na qual correu em 44,30seg, e nos 800m correu em2min18,16seg.
 O Iniciado Miguel Matos também competiu nos distritais de Juvenis, tendo-se classificado no 7º lugar da corrida de 300m, com a obtenção também de um record pessoal nesta distância, tendo registado a marca de 41,50seg.

A atleta sénior Joana Nunes também esteve em competição no sábado de manhã, em S. Pedro do Sul, na corrida de 25 de abril, tendo sido a 2ª classificada, superada por Anália Rosa (Sporting CP) e deixando a Tânia Silva (Liberdade FC) na 3ª posição.
Débora Santos - foto de Ricardo Esteves (arquivo)

Também no dia 25 de abril, a atleta sénior Débora Santos sagrou-se campeã nacional universitária de pista, na corrida de 3.000m obstáculos, disputada no estádio Municipal de Braga, prova na qual já foi atleta internacional junior, nos campeonatos da europa de pista. A atleta representou a Universidade de Coimbra, na qual se encontra a realizar o mestrado em ensino de Educação Física.


ATLETAS DA ADERCUS BRILHARAM NA PISTA E NA MONTANHA

Na pista da Universidade de Aveiro, Sofia Almeida e Beatriz Rodrigues venceram o Km Jovem, enquanto na Branca, Ana Rodrigues, Carla Martinho, Elisabete Azevedo e Joana Nunes foram as rainhas da Montanha.

ADERCUS - Joana Nunes, Elisabete Azevedo, Ana Rodrigues e Carla Martinho

18-04-2015 (sábado)

Decorreu no sábado à tarde, na pista de atletismo da Universidade de Aveiro o torneio distrital “km Jovem” no qual a ADERCUS obteve duas vitórias individuais.

ADERCUS - Beatriz Rodrigues

Na primeira corrida de 1.000m, Sofia Almeida foi a vencedora destacada do escalão de Infantis, com a marca de 3min15,19seg. Érica Matos foi a 9ª classificada, com 3min53,43seg, e Catarina Pardal 11ª, 3min58,09seg. Nos Iniciados, Miguel Matos classificou-se no 6º lugar, com a marca de 3min00,87 e nos femininos a Luana Ferreira foi a 8ª, com 3min45,59seg. Por fim, nos juvenis femininos, Beatriz Rodrigues liderou desde o tiro de partida, para vencer com 3min00,61seg, ficando 1 segundo do seu record pessoal.
ADERCUS - Catarina Pardal, Sofia Almeida e Érica Matos


19-04-2015 (domingo)
No domingo de manhã, disputou-se o “Cross de montanha da JOBRA, na Branca, em Albergaria-A-Nova, no qual as quatro atletas da ADERCUS que estiveram presentes subiram ao pódio. A prova foi simultaneamente o campeonato distrital de corrida de montanha e a 2ª prova do circuito da Taça de Portugal.

Na primeira corrida em disputa, de 4.100m, Catarina Rodrigues foi a vencedora da categoria de Juniores, conquistando o seu primeiro título distrital desta vertente do atletismo, tendo-se superiorizado por larga margem a Maria João Batista (GRECAS), que foi a 2ª classificada.

Na prova de Séniores femininos, de 8.200m, a ADERCUS conquistou todos os lugares de pódio, sagrando-se mais uma vez equipa campeã distrital. Carla Martinho foi a vencedora, seguida de Elisabete Azevedo, 2ª, e Joana Nunes, 3ª. 

ADERCUS NO PÓDIO EM VÁRIAS CORRIDAS 

O fim-de-semana competitivo da ADERCUS ficou marcado por participações dos atletas Séniores e Veteranos em competições de estrada, montanha e trail, que se disputaram em Vila Pouca de Aguiar, Arouca, Vila Nova de Gaia, Espinho e Barcelos, tendo sido alcançados vários lugares de pódio.

12-04-2015 (sábado)

Elisabete Azevedo correu a 1ª Jornada da 12ª Taça de Portugal de Corrida em Montanha, no sábado à tarde, em Vila Pouca de Aguiar, Vila Real, na qual foi a 2ª classificada da corrida de Séniores, superada por Rosa Nadureira (FC Penafiel). Noutra vertente, em pista, a atleta correu em Lisboa, no estádio do Inatel, em Alvalade, no passado dia 28 de março, a prova de 2.000m obstáculos, na qual foi a vencedora e estabeleceu o seu novo record pessoal, por uma grande margem, fixado agora em 7min03,01seg.

Também no sábado à tarde, Rodrigo Silva correu os 20km de Arouca, que foi a sua primeira experiência em competições de Trail, e foi o 4º atleta da classificação geral na meta instalada em Alvarenga, tendo subido ao pódio como 2º classificado do escalão de Veteranos.
 13-04-2015 (domingo)
Em Vila Nova de Gaia, no domingo de manhã, Gil Ferreira foi outro dos atletas da ADERCUS em destaque, tendo subido ao pódio da corrida de 10km do Grande Prémio da Casa do Pessoal das Águas de Gaia, para receber o troféu correspondente ao 2º lugar do escalão de Veteranos M40, tendo sido o 11º da classificação geral.

Ainda no domingo de manhã, António Moreira também subiu ao pódio da “Corrida dos Mil Sorrisos”, de 10km, em Espinho, tendo sido o 3º classificado, e Luís Silva foi o 7º da classificação geral, vencedor do escalão de Veteranos.

Carla Martinho também esteve em competição em Barcelos, na 2ª edição da meia-maratona, tendo cortado a meta com o registo de 1h18min, classificando-se no 7º lugar.

ADERCUS
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PS -   Factores adversos  impediram a publicação de notícias da ADERCUS em tempo oportuno. É devido um pedido de desculpa pelo seu atraso. sérgio micaelo ferreira


25 de abril de 2015

A EUFORIA DA LIBERDADE



No dia 25 de Abril de 1974 acordei sem suspeitar que a minha vida mudara. Só quando cheguei ao liceu, na expectativa de mais um dia de aulas, recebi a notícia de que estava em marcha um golpe de estado. Não sabíamos ao certo o que se passava, corriam muitos boatos. Crescia um estranho nervosismo que se espalhava pela cidade, caldeado de incertezas mas dominado pela alegria de quem acreditava no fim da ditadura. 
Foi crescendo o júbilo com o passar das horas e ao fim da tarde andámos pelas ruas aos abraços, bêbados da mais inebriante alegria. A ideia de viver numa sociedade livre e democrática, a ideia da liberdade, coisa que nunca antes havia experimentado, não era feita de palavras, mas de um gosto doce, de uma excitação, de uma expectativa, de uma crença num futuro radioso. Estava prestes a nascer um novo país, uma nova República, desta vez sem guerra, polícia politica, bufos, delitos de opinião, censura e partido único.
Vivíamos um estranho sentimento de plenitude, de felicidade. Reinava a calma e a alegria. Renascíamos.
Escrevi então o texto ”Tu, Povo”, muito ao estilo panfletário da época, evado de inocência e idealismo, que é o retrato da esperança e das expectativas de um jovem prestes a alcançar a maioridade.
Tu,Povo[1]
Tu Povo, já podes escrever a palavra LIBERDADE. De cada esquina, de cada conversa já desapareceu o espectro da PIDE/DGS. Tem de surgir agora o diálogo.
Tu Povo, já podes exigir que não hipotequem o país ao capitalismo estrangeiro sem seres algemado.
Tu Povo, já podes exigir o fim dos monopólios e uma maior distribuição da riqueza sem seres torturado.
Tu Povo, já podes exigir uma participação activa na construção do futuro, que é teu, sem seres amordaçado.
Tu Povo, já podes exigir o fim da guerra colonial, onde teus irmão lutam pela independência e liberdade de sua pátria.
 (…)
Tu povo, já não necessitarás de lutar pelo teu pão em terra alheia.
Tu Povo, és a maior riqueza do país. Compete-te escolher o caminho do futuro. Depois de o escolheres constrói-o com a tua força e o teu suor, mas não permitas que vivam à custa do teu sacrifício, das tuas rugas, nem que a repressão caia novamente sobre ti.
Está vigilante, a reacção espreita e dos escombros do fascismo constrói a Paz, a Fraternidade e o Amor. (…)
Só depois de uma melhor distribuição das riquezas poderás gritar bem alto a palavra LIBERDADE.



A revolução do 25 de Abril de 1974 representou também uma oportunidade tão inesperada quanto saborosa, um ano sem aulas, um ano em Bustos, a minha terra, essa paixão.
Dado o terramoto politico gerado com o fim da ditadura e a consequente instabilidade revolucionária, foi decidido pelo Governo Provisório que os candidatos à universidade cumpririam um ano de “serviço cívico” e só depois retomariam os estudos. Regressei a casa para umas longas férias escolares.
Também em Bustos se vivia a excitação revolucionária, melhor dizendo, a calmaria revolucionária, porque todos continuaram com as suas rotinas, como se nada tivesse acontecido. Os grandes debates ocorriam no café, depois da bica e do jornal. Umas vezes no Café Central, outras no Tic-Tac, os confrontas verbais podiam originar alguma exaltação, mas nada que fosse comparável às discussões geradas por causa dos jogos de cartas ou de dominó.
Uma semana depois da madrugada revolucionária chegavam a Bustos panfletos convocando a população do concelho para uma “Vigorosa manifestação! Em apoio ao glorioso movimento das Forças Armadas que acabou com o regime fascista em Portugal. Comparece domingo, 5 do corrente, pelas 18 horas, frente aos Paços do Concelho.”
Os panfletos eram atirados de um carro com ruidosos auto-falantes, convocando o povo para a manifestação/reunião onde seria eleita uma Comissão Administrativa para gerir o município de acordo com a legitimidade revolucionária.[2]

Entretanto, nos Estados Unidos da América, o emigrante bustuense, Hilário Simões da Costa[3], com 67 anos, via chegado o momento para regressar a Portugal. Depois de uma vida de trabalho na “terra da liberdade”, chegara o momento do retorno. E uma razão suplementar aumentou a pressa quando pela voz do Dr. Santos Pato, da Mamarrosa, chegou o desafio de fundarem um jornal. Esse era o grande sonho de Hilário Costa, uma ambição que apenas tinha aflorado quando, em New Rochelle, no ano de 1969, editara o primeiro e único número do jornal “Farol da Liberdade”.
Tudo se passou tão rapidamente que, na mesma página onde noticiava a chegada a Bustos do emigrante vindo dos Estados Unidos da América, o correspondente do “Jornal da Bairrada”[4] escrevia também: ”A freguesia faz o seu caminho para uma sã democracia, tendo-se feito uma primeira reunião, que nomeou a comissão que representará a freguesia.”

Corria o dia 24 de Maio de 1974 quando o povo de Bustos se reuniu em assembleia no salão do café Primor, ao Sobreiro, para eleger um novo executivo para junta de freguesia. Havia que fazer valer a legitimidade revolucionária e substituir os representantes do regime deposto, o que aconteceu sem qualquer violência ou “ajuste de contas”.
Encheu-se de gente o salão de festas do Café Primor e a metodologia foi facilmente acordada, votava-se de dedo no ar. Um pouco mais difícil foi encontrar candidatos. O nome de Amaral Simões dos Reis Pedreiras surgiu de forma espontânea e quase unânime, pois se aquele era o momento de celebrar a democracia impunha-se eleger alguém que por causa dela tivesse sofrido, que por ela tivesse lutado. Era o mais justo.
Apesar de todas as insistências, de muitos apelos o Amaral manteve-se firme, recusando a presidência. Que não, que havia outros, bem mais capazes e preparados e que também tinham lutado contra a ditadura. Quando muito, por amor à terra e para não ser ingrato, aceitava um lugar mais modesto. O nome de Hilário Simões da Costa é então alvitrado como o de alguém com as necessárias condições para exercer o cargo. O recém-chegado, confrontado com tal desafio, ainda hesitou, mas rapidamente percebeu que não havia espaço para uma segunda recusa. Em nome dos ideais republicanas, do amor a Bustos tinha de aceitar. 
A lista, composta por Hilário Simões da Costa (presidente), Jó Ferreira Duarte (secretário) e Amaral Simões dos Reis Pedreiras (tesoureiro), acabou eleita por unanimidade e aclamação. A nova comissão administrativa da junta de freguesia de Bustos tomou posse no dia 7 de Julho e cinco dias depois surgia o “Bairrada Livre - quinzenário democrático, defensor da região”[5] dirigido por Manuel dos Santos Pato (dr) e Hilário Simões da Costa.



Pelo meu lado não só colaborei com orgulho no “Bairrada Livre” como promovi a abertura de uma sede do Movimento Democrático Português (MDP/CDE) bem no centro de Bustos. O meu tio, Augusto Simões da Costa[6], tinha a loja desocupada desde que o Manuel dos Moras mudara o comércio de fazendas para edifício próprio. Falei-lhe da minha intensão e pedi-lhe o empréstimo do edifício. Sempre sorridente e bem-disposto deu-me uma palmada no ombro dizendo, “Rapaz, vai em frente!”.
E fui. Pintei muros, colei cartazes, dinamizei um núcleo do MDP/CDE[7] que chegou a ter 89 inscritos mas que, formalmente, nunca se chegou a integrar em nenhuma estrutura oficial do Movimento. A exemplo da aldeia gaulesa de Asterix, eramos um grupo de oposicionistas à ditadura que, depois dela, mantinha a unidade. Em boa verdade esta era essencialmente afetiva, ainda que continuássemos a acreditar no princípio mais marcante de toda a revolução, ”o povo unido jamais será vencido.”
A experiência durou pouco mais de um ano. Foi-se diluindo com a natural integração nos vários partidos políticos que surgiram.
Foram muitas as palavras de ordem que então andaram de boca em boca. Em casa de meus pais, na Póvoa de Bustos, um novo slogan passou a marcar os meus dias. Diziam-me eles, “é trabalhar que se ganha o pão de cada dia”. E estando eu sem atividade escolar não tinha outro remédio, passei a ser mais um a colaborar na faina diária, nem sempre com grande gosto, confesso.
Durante um ano fui agricultor, comerciante e maquinista[8] até que em plena vindima de 1975 expliquei que tinha de partir para Lisboa onde me inscrevera nos cursos de Jornalismo, na Escola Superior de Meios de Comunicação Social e de Direito, na Universidade de Lisboa. O meu pai não barafustou. “É a tua vida” reconheceu a caminho da estação do caminho-de-ferro. Deu-me dinheiro, vinte contos[9], e depois de um abraço de despedida, sem tempo para esperar o comboio, acrescentou: “Tem juízo e muita sorte!”

Parti, sem nunca deixar a minha terra, a minha gente.

Belino Costa



[1] “Independência D’Águeda”, nº2186, 11/5/1974
[2] Nas semanas seguintes ao 25 de Abril sucederam-se na região vários eventos políticos, para além dos já mencionados. Aqui fica o registo de alguns, como a Manifestação do 1º de maio, em Aveiro; o comício de apoio ao Movimento das Forças Armadas e à Junta de Salvação Nacional que teve lugar na Casa do Povo da Palhaça (11 de maio); o comício e romagem aos mártires pela liberdade, em Aveiro (18 de maio); a sessão de debate e esclarecimento politica onde se falou sobre o que foi o fascismo e se debateu o futuro da agricultura, no salão do Café Primor, no Sobreiro (16 de junho); o comício sobre o “momento agrícola” promovido pelas Câmaras de Oliveira do Bairro, Anadia e Mealhada que teve lugar no estádio do Anadia (30 de junho).
[3] Hilário Simões da Costa (1907-1994), natural de Bustos, filho de Domingos Simões da Costa e de Maria dos Santos da Silva, casou com Aldina Mota e Gala (1925-2008). Filhos: Milton Simões da Costa e Hilário Simões da Costa.
[4]  1 de Junho de 1974, pág. 7. O correspondente do jornal em Bustos era o Padre António Vidal.
[5] O “Bairrada Livre” com redação e administração em Bustos, tinha como diretores Manuel dos Santos Pato (dr.) e Hilário Simões da Costa. Publicou-se entre 12 de Julho de 1974 e 6 de Julho de 1975.O fim da publicação deveu-se, em grande medida , à morte súbita do Dr. Santos Pato como explicou Hilário Costa em “Memórias de um Bustoense”:”Mas com o falecimento do Dr. Santos Pato e como o “Bairrada Livre” era um jornal democrático e os “democratas” se dividiram em diversos partidos, não havia razão para eu continuar com a sua publicação, a não ser torna-lo um jornal independente. A minha decisão foi, portanto, suspender a sua publicação, tendo-me magoado bastante, pois vivi para ele com grande afecto, embora com muito trabalho e despesas durante um ano.”
[6] Augusto Simões da Costa (1920-2013), filho de Serafim Simões da Costa e Maria dos Santos da Silva, da Póvoa de Bustos.
[7] Nas eleições de Abril de 1975, em Bustos, MDP/CDE teve 80 votos. 
[8] Nome dado ao homem que controla o alambique durante a queima do bagaço.
[9] Cem euros.

24 de abril de 2015

DIAS ANTES DO 25 DE ABRIL DE 1974



No dia 24 de Abril de 1974 estava em Aveiro. Frequentava o sétimo ano, no Liceu Nacional, preparando-me para concluir o curso dos liceus e ingressar na faculdade. Temia pelo meu futuro apesar de saber que só depois de concluir os estudos seria obrigado a ir “servir para o ultramar”. A simples ideia de ir participar numa guerra sem sentido e “servir” um regime despótico revoltava-me. Estava determinado a recusar tal destino, apesar de saber que isso implicava partir a “salto”. Atravessar a fronteira a coberto da noite para ir percorrer os incertos caminhos da emigração e do exilio. Ao tempo, falávamos disso com humor, numa linguagem capaz de ludibriar censores e policias. Transformámos a denúncia política em anedota: “Sabes porque é que um gafanhoto é tão parecido com um português? É que os gafanhotos também dão o salto!”

UM ANO ANTES

A expectativa de ser forçado a ir para guerra era um estigma. Tinha medo, sim. Também por isso era cada vez mais forte, mais urgente, mais vital a necessidade de ser livre. Precisava de colaborar, fazer o que pudesse para derrubar o regime. Usando o que tinha à mão, palavras, comecei, em dezembro de 1973, a escrever no “Independência de Águeda” onde assinei uma coluna intitulada “Gente do Meu País”.


Felizmente estava em Aveiro, a cidade do último grande encontro das forças oposicionistas ao regime, antes da revolução. Marcelo Caetano permitira a realização do Terceiro Congresso da Oposição Democrática. De 4 a 8 de Abril de 1973, o cinema Avenida recebeu milhares de congressistas vindos de todo o país, discutindo temas como: Desenvolvimento Económico e Social; Organização do Estado e Direitos do Homem; Educação Cultura e Juventude; Desenvolvimento Regional e Administração Local; Situação e Perspectivas Políticas nos Planos Nacionais e Internacional; Urbanismo e Habitação; Segurança Social e Saúde.
Durante quatro dias assisti a debates intensos, a comícios acalorados, cruzei-me com personagens admiráveis. Era um dos miúdos que dava apoio aos serviços do congresso, fazendo de tudo um pouco, desde a distribuição de comunicados à venda de lembranças como cinzeiros, postais e esferográficas. Senti-me útil, juntava-me a outros militando pela liberdade. Ali sedimentei o essencial da minha formação política, da determinação em me empenhar na única luta que poderia alterar o meu futuro. Ali decorei o princípio que deveria nortear a construção de uma nova sociedade: “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos.”[i][1]
Ver a coragem o empenho dos congressistas foi inspirador, mas o momento mais marcante estava guardado para o último dia, na hora da anunciada romagem ao túmulo de Mário Sacramento.
A notícia, conhecida na véspera, de que a romagem fora proibida não bastou para parar toda a movimentação de “oposicionistas” rumo a Aveiro. Alguns, chegados de véspera, acamparam nos terrenos onde hoje existe o Fórum, outros procuraram abrigo junto dos congressistas. Nessa noite, na sua casa da Praça do Peixe, António Máximo albergou onze jovens vindos de Lisboa. Quatro ficaram no chão do quarto que eu ali tinha de aluguer, e os restantes acomodaram-se na sala.
Pelas 8h30m do dia seguinte juntámo-nos em frente ao Hotel Arcada, nas pontes. Chegavam notícias preocupantes. O cemitério e o edifício do Governo Civil estavam cercados por polícias e cães, os autocarros e comboios que se dirigiam para Aveiro tinham sido bloqueados, impedidos de chegar à cidade. Estávamos cercados e, não muito longe, as carrinhas da polícia de choque (contei 12) fervilhavam com sujeitos de capacete e bastão, tão agitados quanto os pastores alemães que os acompanhavam.
Foi neste ambiente de incerteza e tensão, numa manhã que me pareceu gelada, que se começou a juntar gente em volta das pontes e no início da avenida Dr. Lourenço Peixinho. Não havia chefes, nem instruções ou estratégia. Foi-se juntando o povo até que um grupo, sem aviso prévio, deixou os passeios, ocupou o centro da estrada. Tanto bastou para todos se juntarem em manifestação. Éramos cerca de cinco mil ocupando os dois lados da avenida, demos os braços iniciando à caminhada. Lá na frente ergue-se um pano dizendo: “A Juventude diz não à Guerra Colonial”. Ouvia-se um clamor de vozes, uma estranha vibração atravessa o ar, a emoção mostrava-se em cada rosto, em cada braço cruzado. Subitamente, por entre o alarido dos que marcham sobressai uma voz, “Heróis do mar…”, e logo uma outra alma surge, um novo ânimo e, em uníssono, cantamos o hino nacional.
Cresce a emoção, com mais força se fincam os braços, se soltam as gargantas: “Amnistia! Amnistia! Amnistia!”, “Fim à Guerra Colonial!”, “Fora a PIDE!”.



Não tínhamos avançado mais do que uma centena de metros quando o alvoroço nos empurra pelas costas. Instala-se o pânico perante o assalto da polícia de choque. Atacam pela retaguarda de bastão em punho. Levam pela frente a multidão que corre e se atropela, fugindo da fúria dos bastões. Tropeçam os mais desafortunados para gáudio dos polícias, que malham, malham. Ladram os cães, também eles excitados.
Levado pelos empurrões desordenados da gente em fuga acabo entalado, no meio de outros, contra a parede do Banco de Portugal. Outro breve instante, porque a muralha de gente que me protege logo se desfaz. Vejo-me, finalmente, com caminho aberto para a fuga. É então que me dou conta do susto. Tenho pela frente uma besta de capacete metálico que levanta o cassetete em gesto de ataque. Não o olho de frente porque toda a minha atenção se concentra no movimento do braço que ganha balanço e se abate com violência no ombro do infeliz que se encontra a meu lado.


Juro que ouvi o assobio do bastão cortando o ar, tão perto ele passou do meu ouvido. Não sei se terá sido o meu gingar de corpo ou se o polícia se comoveu com o meu ar franzino, a verdade é que me livrei do pior. Aproveitando a sorte, sem lhe dar hipóteses de corrigir o tiro, fintei o polícia abalando dali com tal fogo no rabo que quando entrei no Café Avenida (qualquer porta aberta servia de refúgio) só parei depois de embater contra uma mesa.
Nessa tarde o Congresso esteve à pinha e eu espantei-me com a confiança daqueles homens e daquelas mulheres, tão seguros se mostravam quanto a uma vitória certa. Especialmente porque o Congresso marcava o entendimento das várias correntes ideológicas e politicas na oposição ao regime.
 Estavam prometidas eleições legislativas até ao fim do ano pelo que, num dos improvisados debates, perguntei se a oposição democrática as pensava ganhar. Riram-se com tanta ingenuidade. Explicaram-me que com censura prévia, sem liberdades cívicas e tendo o governo o controle das listas de eleitores, assim como de todo o processo eleitoral, era impossível ganhar. Mas justificava-se participar na farsa, aproveitá-la para combater a ditadura e afirmar os valores da democracia.
Foi o que fiz. Com as eleições marcadas para dia 28 de Outubro um novo tempo de descoberta politica se abriu, pois passei a andar de comício em comício, integrando a comitiva da CDE de Aveiro na dinamização de muitas das sessões de esclarecimento que se fizeram um pouco por todo o distrito. A tarefa dos mais novos era simples, montar a banca para a distribuição dos manifestos, comunicados e demais panfletos, vender “materiais” e receber donativos.
Mas havia uma razão muito especial para me empenhar com redobrada paixão na campanha. Entre os sete candidatos da oposição democrática pelo círculo de Aveiro encontrava-se um conterrâneo e familiar, Amaral Simões dos Reis Pedreiras[2]. Era eu, a minha família e a minha aldeia, juntos na luta pela liberdade. Aos dezassete anos tudo se sente de forma especialmente intensa e eu empolguei-me, senti-me parte de uma força capaz de transformar o país. Lia-se no desdobrável que apresentava os candidatos:



AMARAL SIMÕES DOS REIS PEDREIRAS. Agricultor. Natural de Bustos, concelho de Oliveira do Bairro, nasceu em 1927. Muito considerado na região bairradina, participou em todas as campanhas eleitorais e movimentos cívicos levados a efeito no distrito, designadamente em Aveiro. Apoiou as candidaturas à Presidência da República de Norton de Matos, Rui Luís Gomes, Arlindo Vicente e Humberto Delgado. Tomou parte activa nos três Congressos de Aveiro, tendo, no último, pertencido à Comissão Distrital.

Até na propagando oposicionista havia o dedo da censura pelo que não se dizia o mais importante, que o Amaral era um ex-prisioneiro político, torturado até perder a consciência. Nem se dizia que antes dele já o pai, Manuel Reis Pedreiras[3], fora preso sob a acusação de distribuir propaganda subversiva.
O Amaral era um homem tímido, de poucas palavras. Confessou-me que só por insistência desse grande amigo, Álvaro Seiça Neves, acedeu ser candidato, apesar de saber que não tinha conhecimentos para tão importante missão. Dizia-se, “um agricultor e mais nada”. Desvaloriza-se. Desvalorizava até as sequelas físicas e psicológicas provocadas pela tortura, que nunca mais o abandonaram. Aqui deixo o seu testemunho em entrevista concedida no ano de 2003.

TORTURADO ATÉ PERDER A CONSCIÊNCIA



- Qual é a primeira lembrança que tem da polícia política do Estado Novo, a PIDE?
- Comecei a lidar com a PIDE no ano em que o meu pai foi preso. Levaram-no para Coimbra em 1959 e eu ia lá visitá-lo todos os dias, até que ele adoeceu. Levaram-no para o Hospital onde estava sempre acompanhado por um PIDE, que era rendido de quatro em quatro horas. Eles não gostavam de me ver, viravam-se para mim e diziam que me ia acontecer o mesmo. Não queriam que o visitasse, mas eu nunca deixei de ir.
- O seu pai era Manuel Reis Pedreiras[4], também da Póvoa. Bateram-lhe?
- Não, a ele não lhe bateram. Em jeito de gozo até lhe diziam que um dia ele ainda havia de ser um dos deles ao que o meu pai, sem medo, respondia:” Só se vocês mudarem para o MUD”, que era o movimento da oposição a Salazar. Ele tinha sido preso porque o acusaram de ter distribuído propaganda política. E era verdade! Esteve um mês nas mãos da PIDE, mas como estava doente acabaram por o mandar para casa, diziam que ele estava arrumado. Ele veio para morrer mas ainda resistiu até março.
- E no seu caso, como se deu a prisão?
- O Arsénio Mota um dia abordou-me no café e falámos sobre a situação politica. Estava uma pessoa com ele e ele disse-me:” Quando este senhor vier por aqui atende-o bem.” Disse-lhe que sim, pois se ele o pedia…
Passado um tempo passa por aqui um outro senhor, chamado José Guerreiro Drago e dei-lhe dormida por duas ou três vezes. Quem ajuda não faz perguntas e eu não sabia que ele era funcionário do Partido Comunista Português (PCP). Ora ele lidava com um tal Ribeiro, de Aveiro, que a PIDE entretanto prendeu. Foi na prisão, ao que sei com promessa de ser libertado, que esse Ribeiro denunciou o Drago. Também o Drago foi preso e, já paranóico com tanta tortura, diz um nome, Tita. A PIDE, que sabia que ele tinha estado em Bustos, pede informações para cá e os informadores locais respondem que a Tita é a filha do Amaral Pedreiras.
- Mas Tita é um mero diminutivo, nem sequer é nome próprio.
- Pouco interessou para o caso. Fui preso e o Pompeu João Domingos também. Tiveram-me em Coimbra desde 25 de Junho até 31 de Agosto de 1966.
- Como foi tratado?
- No primeiro dia deram-me pancada. Disseram: ”Tens aqui papel e lápis, só tens que escrever os nomes.” Como eu não escrevia batiam-me. No segundo dia mudaram de estratégia passaram à tortura da estátua. Eu tinha de estar sempre em pé, sem poder mudar de sítio ou fechar os olhos. E batiam-me quando lhes respondia que eu não tinha nada para escrever. Estive cinco dias nesta tortura de sono, mas a partir do terceiro dia e já não tinha força, nem consciência de nada. Deixei mesmo de saber o que se passava à minha volta durante dois dias. Não me lembro de nada, só daquilo que os meus colegas de cela mais tarde me contaram. Saí em 31 de Agosto, depois de ter pago uma caução de vinte escudos na Caixa Geral de Depósitos.
- Livrou-se deles.
- Não livrei nada. Eles vieram aqui a casa e baldearam tudo à procura de “coisas”, a intimidação continuou e quatro meses depois, no primeiro de Dezembro sou avisado que ia ser preso novamente.
- Podia ter fugido.
- Não fugi. Passados três dias recebo ordem para ir ao posto da GNR em Bustos, já eu sabia para quê porque um amigo me tinha avisado. Fui lá e disse-lhes: “Eu não fujo mas tenho umas coisas a tratar com o meu irmão Chico (Humberto Pedreiras) por isso deixe-me ir tratar das minhas coisas que volto mais tarde”. O Chefe Celso responde-me:” Você não diga nada mas foi a PIDE que nos ligou. Vá lá tratar das suas coisas e volte quando puder”.
- E voltou?
- Voltei logo que tratei das coisas com o meu irmão. Às três horas levaram-me para o Porto. Foi nos primeiros dias de Dezembro. Fiquei detido até ir responder a Tribunal no dia 3 de Março de 1967, o dia em que fazia 40 anos. Voltei ainda mais duas vezes a Tribunal acabando por ser absolvido, mas com medidas de segurança por um período entre 6 meses e 3 anos.
- Isso significou o quê?
- Que estive mais 15 dias preso no Porto.
- Acabou aí?
- Ainda não, depois levaram-me para o forte de Peniche. Estive detido dezanove meses e meio, já depois de ter sido absolvido. E quando saí fui obrigado a assinar que não podia estar num grupo com mais de cinco pessoas e ficava com a obrigação de me apresentar ao Presidente da Câmara todos os meses, no primeiro dia útil de cada mês. Mais tarde passei a apresentar-me na GNR de Bustos. Isso durou três anos…
- Três longos anos…
- Quando me libertaram fiz questão de ir levantar o dinheiro da caução que tinha pago inicialmente, os tais vinte escudos. Pois cobraram-me dois por cento por terem ficado com o meu dinheiro!
- E a vida em Peniche? Deve ter conhecido presos famosos?
- Alguns, como o Varela Gomes e o Blanqui Teixeira. Quando cheguei estive na cela disciplinar e depois passei para as salas com nove presos, onde fiquei até vir embora.
- O mais espantoso, pelo menos para mim, é que o Amaral não era um verdadeiro “agitador político”. Limitou-se a ajudar, a ser solidário.
- Eu nem sabia que o Drago era do Partido Comunista. Ele pediu-me ajuda e eu ajudei-o, mas cheguei a dizer-lhe para ele se afastar, que não me queria comprometer.
- Mas comprometeu-se, chegou a ser candidato a deputado pela oposição democrática nas “eleições” de 1973?
- Eu não queria, não tinha capacidade para isso. Foi a primeira vez em que me meti em qualquer coisa política. E só aceitei porque mo pediu esse grande amigo que era o Álvaro Seiça Neves.
- Esteve também para ser Presidente da Junta de Freguesia de Bustos na sequência do 25 de Abril.
- É verdade, queriam que eu fosse o Presidente. Foi quando o povo se juntou no café Primor e votou de dedo no ar. Insistiram muito comigo e não aceitei, pelo que ficou o Hilário Costa como presidente. Mas não me livrei de ficar como tesoureiro. E lá fomos eleitos os três, o Hilário presidente, eu tesoureiro e o Jó Duarte secretário.
- Ocupou outros cargos?
- Nessa mesma altura também me propuseram para a Câmara mas disse que não. Nunca fui homem dado a coisas do poder, nem nunca fui político.
- Mas integrou outras associações.
- Estive ligado à União Liberal de Bustos, ao futebol quando houve a fusão dos Canecas e Gavetas e fiz parte do ABC, na fundação.

Belino Costa

(Continua)

[1] Declaração Universal dos Direitos do Homem.
[2] Amaral Simões dos Reis Pedreiras (1927-2011), filho de Manuel Reis Pedreiras, da Póvoa, e Maria Augusta Simões Aires, da Azurveira, casou  com Ditosa das Neves Mota, da Póvoa. Filhos: Élio Neves Reis Pedreiras e Maria Augusta Neves Reis Pedreiras.
[3] Manuel Reis Pedreiras (1894-1959), acusado de ter distribuído propaganda política subversiva, esteve preso durante um mês nos cárceres da polícia política, em Coimbra. De acordo com o depoimento do filho, Amaral dos Reis Pedreiras, “ como estava doente acabaram por o mandar para casa, diziam que ele estava arrumado. Ele veio para morrer.”
Poucos meses depois, na edição de 6 de Junho de 1959, o jornal “República” destacava a morte do “combatente cheio de optimismo e de fé nos princípios democráticos”. A notícia, com foto, surge inserida numa reportagem de duas páginas e meia (texto e publicidade) dedicada a Bustos, “o mais belo e progressivo aglomerado populacional da Bairrada”: “O funeral do Sr. Manuel Reis Pedreiras, ocorrido, em Bustos, no dia 16 de Março último, foi uma grandiosa manifestação de pesar, tendo-se incorporado algumas centenas de pessoas de todas as camadas sociais vindas de toda a parte do distrito de Aveiro e de Coimbra, amigas e admiradoras do saudoso morto. É que Manuel Reis Pedreiras soube cativar amizades e simpatias, tendo trilhado sempre o caminho da honra e do dever e mantido firme o seu ideal republicano. Era um combatente cheio de optimismo e de fé nos princípios democráticos. Socorria os pobres e estava presente em todas as causas justas. Motivo porque a sua morte foi muito sentida.
Foi mais um grande cidadão e republicano que desapareceu, e, invocando a sua memória, curvamo-nos respeitosamente.”
[4] Manuel Reis Pedreiras (1894-1959), filho de Manuel Francisco Reis Pedreiras(1858-1920) da Póvoa  e Joana dos Santos Silva (1860-1946) de Bustos. Casou com Maria Augusta Simões Aires fixando residência no Cabeço. Filhos: Aurélio Simões dos Reis Pedreiras, Amaral Simões dos Reis Pedreiras e Humberto Simões dos Reis Pedreiras.






23 de abril de 2015

A PROPÓSITO DE "UM OUTRO OLHAR..." DE MILTON COSTA


O centro de Bustos em meados da década de setenta. Foto de Milton Costa


Muito interessante esta faceta do doutor Milton Costa! A par das narrativas singulares que nos traz das suas pesquisas científicas e das suas outras viagens pelos lugares sagrados e pelo mundo, conduz-nos, aqui e agora, numa “fotográfica” viagem, recuperando, eivadas de intemporalidade, as figuras que se movimentam na dura multiplicidade dos trabalhos do campo, mas onde, e para sempre, se elevam os laços inquebráveis de união, de pertença, de fraternidade.
Traços de ruralidade, de transações comerciais pelas feiras, tendas e vozes pejadas de anseios, vaivém de beleza e de cores, presença úbere das vacas leiteiras, nas suas malhas brancas e pretas sem preconceitos, lambendo as crias cheirando a leite; lavados estão já os cestos para a próxima vindima, e nas fartas adegas, néctares e deuses repousam quase adormecidos nos espessos tonéis, sonhando provadores; fumega toda a noite o cheiro acre do bagaço na destilaria que as carroças aguardam, respeitando a chegada, enquanto se colhem das bicas transparentes, amostras de aguardentes fortes e perfumadas de sabores, que hão-de abrasar, pelas vinhas, os braços vigorosos dos homens, no chamamento ritmado das suas cavas.
Fazem-se as colheitas, apanham-se as ervas de pasto e os canoilos de milho, preparam-se sabiamente os cabanais, em arquiteturas de experiência, conhecedoras que são das chuvas e dos ventos tantas vezes contrários, que os animais, dormindo ao lado, também são “gente” estimada, e altamente cooperante na economia dos lares.
Os sinos tocam as dez, lembram que o dia começou às sete, ou mais cedo ainda, pára-se para a “ bucha”, espécie de almoço antecipado, momento de tréguas em mais um dia que se prolonga até às Trindades, as forças suadas, esmorecido o olhar, muito longe as conversas que avivaram risadas trazidas a lume pelos mais recentes amores e desamores, vividos ou romanceados, de toda a aldeia e redondezas.
Quando finalmente tudo se aquieta no descanso domingueiro, adornado de roupas frescas e lavadas nas fontes, coradas ao sol e branqueadas de cloreto, compensam-se, então, em sorrisos e cumplicidades, os mimos doces que o trabalho adiou…
“Um outro olhar…” – fotografias, relíquias, presentificadas em rostos que cedo aprendemos a respeitar e que avivam espaços e memórias de uma terra que nos ajudou a construir…
Obrigada, Milton, mais uma vez, por tanta maravilha!

Irene Micaelo                                      
Coimbra, 22/04/2015