8 de dezembro de 2014

"ORA AQUI ESTÁ UMA IGREJA"

Passam hoje 50 anos sobre a inauguração da igreja de Bustos. Assinalando a data publicamos  algumas fotografias desse evento assim com partes de um texto escrito pelo Bispo que a inaugurou,
D. Manuel de Almeida Trindade, numa sentida homenagem ao padre que liderou o processo da sua construção.


PADRE ANTÓNIO HENRIQUES VIDAL

Conheci o Padre Vidal no tempo em que ele frequentou o Seminário Menor da Figueira da Foz. Estava-se em Outubro de 1937. A Diocese de Aveiro seria restaurada no ano seguinte. À nova diocese ficaram a pertencer freguesias que, antes da restauração, faziam parte das dioceses do Porto, de Viseu e de Coimbra. D. João Evangelista de Lima Vidal, depois de ouvir os responsáveis pela formação dos futuros seminaristas, resolveu pedir ao Patriarca de Lisboa, que era então D. Manuel Gonçalves Cerejeira, que os alunos de Aveiro fossem admitidos no Seminário dos Olivais (Lisboa). O pedido foi aceite. Foi a maneira de alunos, vindos de três dioceses diferentes, se pudessem encontrar, conhecer-se e ter os mesmos professores. Entre estes como não lembrar essa grande figura que foi Mons. Pereira dos Reis? Muitos dos alunos que passaram pelos Olivais foram por ele "contagiados, de modo particular, pela sua cultura litúrgica, antecipando, sob muitos pontos, a reforma do Vaticano II. O Padre Vidal ficou a dever a este Mestre a formação que deveria depois demonstrar na sua vida de pastor de almas.(...)


O Padre Vidal era um apóstolo. Começou por visitar os doentes nas suas casas e por acompanhar a gente pobre da freguesia. Por seu lado, ele dava exemplo de pobreza, andava a pé ou de bicicleta e, só mais tarde, comprou um modesto automóvel — um 2CV. Foi assim, pelo exemplo de uma vida pobre, que o Padre Vidal foi conquistando aos poucos a gente de Bustos - e não só dc Bustos...
Com que emoção li um artigo da pena do arquitecto Rocha Carneiro publicado no Jornal da Bairrada o seguinte titulo: "Igreja de Bustos e a arte"! Diz assim: "De todos os homens que nestes últimos quarenta anos mais me fizeram pensar em Deus, o Padre Vidal é um deles." Quem dera que de todos os pastores de almas (mesmo dos bispos) se pudesse dizer o mesmo…
Foi este homem pobre que se lançou aventura de construir uma igreja nova. Teve a sorte de encontrar um engenheiro competente - Neo Pato - e um arquitecto "aggiornato", quer dizer conhecedor das orientações que o Concilio Vaticano II acabara de dar na Constituição sobre a sagrada Liturgia. Esse arquitecto foi Rocha Carneiro. Ambos se consideravam "agnósticos". Só Deus sabe a que parâmetros se estendia o seu agnosticismo. A verdade é que, em contacto com o Padre Vidal, esse agnosticismo se revelou apenas de fachada: lá dentro estava a saudade de Deus. "Para estar de bem com a minha consciência — escreveu o arquitecto Rocha Carneiro — o espaço que tinha de projectar tinha de ajudar o homem a encontrar Deus".


Encontrados os desenhadores do projecto, era agora necessário obter meios económicos para o levar por diante. O Padre Vidal teve de andar de porta em porta, a pedir esmola, a organizar cortejos dentro da freguesia e até de atravessar o Atlântico e ir â Venezuela bater à porta dos emigrantes da Bairrada que para ali tinham partido. Nada disto foi em vão. À medida que se abriam os alicerces, se iam construindo as paredes. pondo as telhas... ia chegando o "cum quibus" para fazer face à construção. Tive a sorte de presidir à inauguração da nova igreja. Foi para mim um deslumbramento: ora aqui está uma igreja — pensava eu — que realiza, à letra, as normas que eu tive a felicidade de subscrever durante as sessões do Concílio! (...)

Manuel de Almeida Trindade
Bispo Emérito de Aveiro

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