(À saudosa memória do Padre António Vidal)
De
todos os Homens que nestes últimos quarenta anos mais me fizeram pensar em
Deus, o Padre Vidal foi um deles.
Queria uma igreja e fui eu encarregado
de lha projectar. Tarefa difícil, pois as igrejas ricas, as dos “doirados”, são
igrejas que nos levam à ânsia do poder, à submissão do ouro, do fanatismo da
inquisição, a todos os protagonismos a que o poder obriga. Essas não são a
minha Igreja.
A casa de Deus? Como?... Se Deus é
imenso.
Depois
de longas conversas com o Padre Vidal, acabo por concluir que apenas teria de
criar um abrigo, onde os homens se juntam para encontrar Deus. Porém, com a
dignidade que Deus merece...
O arquitecto é o técnico que tem por
missão definir e concretizar o espaço onde o homem vive.
Se o faz bem, o homem vive bem. Se o
faz mal, o homem vive mal.
Para estar de bem com a minha
consciência, o espaço que teria de projectar tinha que ajudar o homem a
encontrar Deus.
Às perguntas sucediam as respostas:
- O altar é o trono de Deus;
- S. Lourenço é o patrono da
Igreja;
- Há duas Nossas Senhoras em Bustos: a
que ali se venerava antes e a Nossa Senhora de Fátima de hoje.
- O Povo queria um altar para todos...
“Padre, se só temos um Deus, e, sendo o Altar
o seu trono, na nossa Igreja só pode haver um Altar”.
O Padre Vidal concordava inteiramente
e só se preocupava como haveria de convencer o seu “rebanho”, mas não foi
difícil. O Povo acaba por aceitar o que houver por verdade. Porém, há para cada
um a sua verdade, e nem sempre as opiniões são totalmente compreendidas. Sim,
foi necessário, puxando duas pedras da parede de fundo do altar, criar as duas
mísulas, para o S. Lourenço e a Nossa Senhora que vinham da Igreja antiga.
S. Lourenço, como patrono da Igreja, deveria
estar no átrio da entrada, a receber os fiéis e encaminhá-los para o Altar,
onde Deus é evocado a dali irradia para a Assembleia. A presença de S. Lourenço
é evocada num painel de madeira talhada em gravura pelo distinto artista
Monsenhor Nunes Pereira, que o ofereceu, e está colocado no vão da bomba da
escada de acesso ao coro.
Do outro lado do átrio da entrada, e
debaixo da Torre, está o Baptistério. Ali se encontram três preciosas obras de
arte:
1- A Pia Baptismal, uma belíssima obra
de arte em pedra de Ançã, sendo a única peça que veio da Igreja Antiga.
2- O Vitral, em blocos de vidro
lapidados, que pela refracção da luz, enriquecem o colorido da obra do pintor
C. Figueiredo, tendo sido o primeiro vitral do género a fazer-se no norte do
país,
3- O relevo cerâmico, da autoria de
Francisco Xavier de Viveiros Costa, (X.Costa, (1), escultor, açoriano que,
tratando o tema: “Moisés Salvo da Águas”, sugerido pelo reverendo Padre Vidal,
dá à parede lateral esquerda do Baptistério a conjugação perfeita das três
obras de arte que este pequeno espaço encerra.
É também de X. Costa, e por este
oferecido à Igreja, o desenho monumental que se encontra na fachada posterior
do templo, sob o tema: “Deixai vir a mim as criancinhas”. Os seus traços são feitos
com cacos de vidros de garrafa, que, ao sol, dão mais brilho, à vida e
movimento que o desenho contém.
Pena é que a residência paroquial,
ofuscando todo o alçado posterior da Igreja, tenha atirado também este trabalho
ao obscurantismo. Isto, agravado com a insólita garagem ali entalada e
abusivamente adoçada à Igreja, faz-me pensar se o Deus de quem assim procede ou
consente, e o meu Deus, são de facto o mesmo.
A Igreja por tudo isto tem que ser
simples como simples é Deus para os Homens de Fé.
Para que a Igreja surgisse económica,
todo o material das estruturas, foi aproveitado e bem tratado no seu acabamento
para que posto à vista o espaço limitado em todo o seu conjunto surgisse
equilibrado no volume e na cor.
Fugindo ao supérfluo, surgiu a Igreja.
A parte de engenharia esteve a cargo
dos Engenheiros Manuel dos Santos Pato e Nefetali da Silva Sucena, homem de fé.
Ambos deram à obra não só todo o seu brio profissional, mas ainda o transmitiram
a toda a sua equipa de trabalho.
A construção foi do Eng.º Santos Pato,
natural de Bustos, e por isso, viveu-a com maior entusiasmo e o amor de quem
tanto quer ao seu torrão natal.
Os Homens passam a obra fica, mas para
que a obra nasça alguém tem de ir na frente, forte no seu ânimo, seguro no seu
objectivo e firme na sua fé. Este Homem foi o Padre António Vidal da
Carvalhosa, de Valongo do Vouga, e, ao tempo, Pároco de Bustos.
Obrigado, Padre. Obrigado, Amigo.
Até à Eternidade.
Arq
Rocha Carneiro (escrito em Agosto/2000 e publicado no JB com
o titulo: “Igreja de Bustos e a Arte”)
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