4 de dezembro de 2014

A IGREJA DE BUSTOS VISTA PELO SEU AUTOR

(À saudosa memória do Padre António Vidal)



                                                                                                         
De todos os Homens que nestes últimos quarenta anos mais me fizeram pensar em Deus, o Padre Vidal foi um deles.
Queria uma igreja e fui eu encarregado de lha projectar. Tarefa difícil, pois as igrejas ricas, as dos “doirados”, são igrejas que nos levam à ânsia do poder, à submissão do ouro, do fanatismo da inquisição, a todos os protagonismos a que o poder obriga. Essas não são a minha Igreja.
A casa de Deus? Como?... Se Deus é imenso.
Depois de longas conversas com o Padre Vidal, acabo por concluir que apenas teria de criar um abrigo, onde os homens se juntam para encontrar Deus. Porém, com a dignidade que Deus merece...
O arquitecto é o técnico que tem por missão definir e concretizar o espaço onde o homem vive.
Se o faz bem, o homem vive bem. Se o faz mal, o homem vive mal.
Para estar de bem com a minha consciência, o espaço que teria de projectar tinha que ajudar o homem a encontrar Deus.
Às perguntas sucediam as respostas:
- O altar é o trono de Deus;
- S. Lourenço é o patrono da Igreja;
- Há duas Nossas Senhoras em Bustos: a que ali se venerava antes e a Nossa Senhora de Fátima de hoje.
- O Povo queria um altar para todos...
 “Padre, se só temos um Deus, e, sendo o Altar o seu trono, na nossa Igreja só pode haver um Altar”.
O Padre Vidal concordava inteiramente e só se preocupava como haveria de convencer o seu “rebanho”, mas não foi difícil. O Povo acaba por aceitar o que houver por verdade. Porém, há para cada um a sua verdade, e nem sempre as opiniões são totalmente compreendidas. Sim, foi necessário, puxando duas pedras da parede de fundo do altar, criar as duas mísulas, para o S. Lourenço e a Nossa Senhora que vinham da Igreja antiga.



 S. Lourenço, como patrono da Igreja, deveria estar no átrio da entrada, a receber os fiéis e encaminhá-los para o Altar, onde Deus é evocado a dali irradia para a Assembleia. A presença de S. Lourenço é evocada num painel de madeira talhada em gravura pelo distinto artista Monsenhor Nunes Pereira, que o ofereceu, e está colocado no vão da bomba da escada de acesso ao coro.
Do outro lado do átrio da entrada, e debaixo da Torre, está o Baptistério. Ali se encontram três preciosas obras de arte:
1- A Pia Baptismal, uma belíssima obra de arte em pedra de Ançã, sendo a única peça que veio da Igreja Antiga.
2- O Vitral, em blocos de vidro lapidados, que pela refracção da luz, enriquecem o colorido da obra do pintor C. Figueiredo, tendo sido o primeiro vitral do género a fazer-se no norte do país,
3- O relevo cerâmico, da autoria de Francisco Xavier de Viveiros Costa, (X.Costa, (1), escultor, açoriano que, tratando o tema: “Moisés Salvo da Águas”, sugerido pelo reverendo Padre Vidal, dá à parede lateral esquerda do Baptistério a conjugação perfeita das três obras de arte que este pequeno espaço encerra.
É também de X. Costa, e por este oferecido à Igreja, o desenho monumental que se encontra na fachada posterior do templo, sob o tema: “Deixai vir a mim as criancinhas”. Os seus traços são feitos com cacos de vidros de garrafa, que, ao sol, dão mais brilho, à vida e movimento que o desenho contém.
Pena é que a residência paroquial, ofuscando todo o alçado posterior da Igreja, tenha atirado também este trabalho ao obscurantismo. Isto, agravado com a insólita garagem ali entalada e abusivamente adoçada à Igreja, faz-me pensar se o Deus de quem assim procede ou consente, e o meu Deus, são de facto o mesmo.



A Igreja por tudo isto tem que ser simples como simples é Deus para os Homens de Fé.
Para que a Igreja surgisse económica, todo o material das estruturas, foi aproveitado e bem tratado no seu acabamento para que posto à vista o espaço limitado em todo o seu conjunto surgisse equilibrado no volume e na cor.
Fugindo ao supérfluo, surgiu a Igreja.
A parte de engenharia esteve a cargo dos Engenheiros Manuel dos Santos Pato e Nefetali da Silva Sucena, homem de fé. Ambos deram à obra não só todo o seu brio profissional, mas ainda o transmitiram a toda a sua equipa de trabalho.
A construção foi do Eng.º Santos Pato, natural de Bustos, e por isso, viveu-a com maior entusiasmo e o amor de quem tanto quer ao seu torrão natal.
Os Homens passam a obra fica, mas para que a obra nasça alguém tem de ir na frente, forte no seu ânimo, seguro no seu objectivo e firme na sua fé. Este Homem foi o Padre António Vidal da Carvalhosa, de Valongo do Vouga, e, ao tempo, Pároco de Bustos.
Obrigado, Padre. Obrigado, Amigo.
Até à Eternidade.

 Arq  Rocha Carneiro   (escrito em Agosto/2000 e publicado no JB com o titulo: “Igreja de Bustos e a Arte”)


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