7 de dezembro de 2013

CRÓNICA: AH, OS CARCAMANOS!



Ah, os carcamanos!

Arsénio Mota
 
Nos anos da minha infância e primeira juventude, digamos até 1950, percorria Bustos e a extensão da Bairrada uma figura típica depois desaparecida. Era o amolador, com a sua roda, que afiava facas, tesouras e navalhas e que se anunciava tocando uma característica gaita de beiços. Quem o ouvia, facilmente sentenciava: «Vai chover não tarda».
De facto, aqueles sujeitos apareciam ao raiar a Primavera. Vinham do outro lado do rio Minho, da Galiza, e sem dúvida era gente pobre ou mesmo muito pobre. O povo chamava-lhes carcamanos.
Resta a sua imagem ainda na memória viva. Mas vai-se tornando rara. A que acompanha este texto tive de ir buscá-la a um pormenor de cartaz das Caves Ramos Pinto.
O escritor e jornalista Fernando Assis Pacheco evoca estes imigrantes na Bairrada no seu romance Paixões e Trabalhos de Benito Prada, que no subtítulo apresenta como «galego da província de Ourense que veio a Portugal ganhar a vida». O autor («neto de galego» assumido), nascido em Coimbra, publicou o livro em 1993 e bom seria que os bairradinos finalmente o lessem e aplaudissem! É belíssimo, inesquecível!
Aliás, o verdadeiro herói único do romance é colectivo: constituem-no várias gerações de amoladores, gente ladina e até algo pícara, que rumava a sul como as andorinhas, empurrada para fora da Galiza por agrestes condições de sobrevivência.
O vocábulo, carcamano, que designava os amoladores, tem um pouco que se lhe diga. Assis Pacheco parece desconhecê-lo ou então enjeita-o, mas Alfonso Rodrigues Castelao, notável escritor e artista galego «clássico», dá- o em título na página de um livro, ao falar da «Cova dos carcamanos». De qualquer modo, o termo existe em castelhano e em português, estando dicionarizado em ambos com significados quase idênticos ou próximos, algo como forasteiro pobre, vendedor ambulante de panos, engraxador (pejorativo, no Brasil), nomeadamente.
Quem se lembra desta figura típica?

 

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