Ah, os carcamanos!
Arsénio Mota
Nos anos da minha infância e primeira juventude, digamos
até 1950, percorria Bustos e a extensão da Bairrada uma figura típica depois
desaparecida. Era o amolador, com a sua roda, que afiava facas, tesouras e
navalhas e que se anunciava tocando uma característica gaita de beiços. Quem o
ouvia, facilmente sentenciava: «Vai chover não tarda».
De facto, aqueles sujeitos apareciam ao raiar a
Primavera. Vinham do outro lado do rio Minho, da Galiza, e sem dúvida era gente
pobre ou mesmo muito pobre. O povo chamava-lhes carcamanos.
Resta a sua imagem ainda na memória viva. Mas vai-se
tornando rara. A que acompanha este texto tive de ir buscá-la a um pormenor de
cartaz das Caves Ramos Pinto.
O escritor e jornalista Fernando Assis Pacheco evoca
estes imigrantes na Bairrada no seu romance Paixões e Trabalhos de Benito
Prada, que no subtítulo apresenta como «galego da província de Ourense que veio
a Portugal ganhar a vida». O autor («neto de galego» assumido), nascido em
Coimbra, publicou o livro em 1993 e bom seria que os bairradinos finalmente o
lessem e aplaudissem! É belíssimo, inesquecível!
Aliás, o verdadeiro herói único do romance é colectivo:
constituem-no várias gerações de amoladores, gente ladina e até algo pícara,
que rumava a sul como as andorinhas, empurrada para fora da Galiza por agrestes
condições de sobrevivência.
O vocábulo, carcamano, que designava os amoladores, tem
um pouco que se lhe diga. Assis Pacheco parece desconhecê-lo ou então
enjeita-o, mas Alfonso Rodrigues Castelao, notável escritor e artista galego
«clássico», dá- o em título na página de um livro, ao falar da «Cova dos
carcamanos». De qualquer modo, o termo existe em castelhano e em português,
estando dicionarizado em ambos com significados quase idênticos ou próximos,
algo como forasteiro pobre, vendedor ambulante de panos, engraxador (pejorativo,
no Brasil), nomeadamente.
Quem se lembra desta figura típica?
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