Crónica de ÉLIO FREITAS
No tempo da minha mãe cada casal tinha, pelo menos, meia dúzia de
filhos. As famílias da rua da Póvoa tinham gente bastante para animar uma
feira. No meu tempo de criança já as coisas tinham mudado muito, mas nem por
isso havia falta de gente nova na nossa rua.
Para mim a rua da Póvoa começava na casa da Sra. Fausta (ti Fausta para outros, mas Senhora para mim) e terminava na casa do Ti Abílio Pedreiras. Naturalmente que a rua era mais do que isso, com curvas e largos, mas para mim era só o que a vista alcançava.
Na entrada vivia o António Moreira “Titi” e a
irmã Amorosa, já os irmãos Ilídio, Márcio e Manuel pertenciam a outra geração.
O irmão Acácio (o Mudo) passou anos na escola em Lisboa e nunca fez parte da
malta, mas o Titi deixou o rasto bem marcado na nossa rua. Depois de casar,
andou pela África e Venezuela para finalmente regressar à terra da mulher, ali no
Albergue, Palhaça. Parece que se esqueceu da Póvoa...
Logo a seguir vivia o António da Peralta, o “Toninhos”, e do outro lado da rua viviam o Arsénio e a Rosinha, meio irmãos do “Toninhos”. A Rosinha da Prata viria a tornar-se uma personalidade da rua, e não só.
O Toninhos era calado e trabalhador, mas o
Arsénio era burro na escola e muito galdério. Não havia quintal de fruta que o
Arsénio não conhecesse por dentro e por fora. Ainda me recordo algumas sovas
que apanhei por andar por lá com ele, o “Salta Quintais” como lhe chamavam os
mais idosos. Eu era mais novo mas, como é natural, procurava os mais velhos
para companhia e malandrice.
A casa a seguir era a do Ti Eusébio Luzio. Havia o Acílio, o Dinis, e mais tarde também chegou o meio-irmão, Manuel (dos rádios), a Eva e o Fernando, este último o único do meu tempo. Todos os filhos do Eusébio trabalhavam com o pai na construção e não tinham muito tempo para a ramboia, mas ainda me lembro dos tempos do Carnaval e dum barco com rodas feito por o Acílio e Dinis (a garotada da rua fazia uma festa para andar no barco). Foram todos, com a excepção do Manuel, muito cedo para as Áfricas, mas têm as raízes na rua da Póvoa.
A casa a seguir (eu só estou a recordar famílias da Póvoa com malta do meu tempo) era da D. Florinda Couvelha. Ali se criaram as sobrinhas e ali viviam o Mário Licínio e a Lucécia Mota. O “Li” foi o meu colega de sempre. Andámos na escola juntos, ele uma classe a frente porque era mais velho. Anos mais tarde juntámo-nos outra vez, na Escola do Magistério, em Coimbra, até à formatura em 1963. A irmã do “Li”, a “Luciete”, como era mais conhecida na rua, já tinha passado pelo Magistério de Coimbra antes de nós. Hoje vive na Mealhada, depois de educar crianças em Moçambique por muitos anos. Mas a marca da Luciete também vive na rua da Póvoa.
O Dr. Mário Licínio, o “Li”, esse parece que
nunca deixou de viver na Póvoa, ainda que passasse a maior parte da sua vida
adulta por África, França e mais recentemente na Suíça. Mas a Póvoa é onde o
“Li” regressa sempre.
Há mais que contar da outra malta da rua. Além do Eusébio, havia mais Luzios na Póvoa. A Ti Elvira, o Ti Amador, a Ti Caurina, eram todos Luzios que viveram na nossa rua. A Zita, filha da Ti Elvira, vivia logo ao lado do “Li”. A Ti Caurina , casada com o Ti Adriano, viveu no mesmo lado da rua, e por uns anos tinha a alfaiataria na sala da casa do Ti Amador. O casal Adriano Rodelo teve dois filhos, o Natalino e a Marlene. Tal como os primos, Fernando e irmãos.
O Natalino e a Marlene não tinham muito tempo
para a borga porque os pais os tinham sempre a trabalhar na alfaiataria. Eles
não vinham à rua, mas nós íamos à alfaiataria ler o “Mundo de Aventuras” e
outras publicações que o Natalino sempre comprava. A oficina do Ti Adriano era
a nossa biblioteca…
Mesmo com todo o trabalho que sempre tinha, o
Ti Adriano gostava de levar a miudagem uma vez por outra a procurar ninhos para
o lado do “Canto”, por detrás do rio (lavadouro).
A próxima casa era a do meu avô Sebastião Simões Fabiano. Foi lá que o meu irmão Alcides e eu, Élio, nos criámos. O meu pai, Luciano Freitas, tinha emigrado para a Venezuela e nós ficámos com a minha mãe Eugénia na casa dos meus avós. Mesmo depois de mudar para a nossa casa na Quinta Nova, eu nunca saí da rua da Póvoa. Aí ficou a alma e o coração, cheio de saudades.
Para o sul da rua ficavam várias famílias, mas pouca rapaziada. Havia a Donzilia, filha do Álvaro Fabiano, quase da minha idade, e, um pouco mais adiante, vivia o Ti Abílio e família. Ali acabava a rua, com o Manuel e o Quim, ainda meus primos distantes por parte do pai, o Ti Abílio. Do outro lado da rua, em frente do Quim, vivia a Ti Virgínia, mas os filhos já pertenciam a outra parte da rua da Póvoa.
Devo também lembrar a presença do Milton, “Miltinho,” e da sua irmã Gisela, filhos do Ti Amador Luzio e da Sra. Maria de Jesus. A verdade é que estes dois jovens se criaram na Barreira, em casa dos avós, mas ainda passaram uns anos na nossa rua, o suficiente para fazerem parte da malta da Póvoa.
Estou a pensar no que seria uma grande oportunidade: Um encontro com comes e bebes com toda a malta da minha rua da Póvoa para festejar os bons tempos dos cinquentas…e não só.
Que tal a ideia, amigos?
Foram grandes tempos! A crónica do senhor Élio Freitas relata bem, esse lugar e as pessoas. Sou filha do Manuel (filho da Ti Fausta), que esteve em África. Gostaria muito de ver publicadas fotos dessa rua, nos anos 1922/1930, anos em que meu saudoso pai viveu por lá...será possível? Bem hajam todos, pela dedicação a essa maravilhosa terra.Tenho muito orgulho de ser filha de Bustos, como o dizia o senhor Manuel Luzio!
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