A história da emigração portuguesa é uma epopeia por contar. Também os emigrantes cruzaram os mares, calcorrearam continentes, enfrentaram perigos, incertezas, angústias e uma saudade imensa. Partiram em busca do pão e da felicidade. Fugiram da fome, acalentando o sonho de uma vida melhor. Esta é a breve história de um desses heróis anónimos, a breve história de um emigrante de Bustos.
Aristides Correia Arrais veio a este mundo no dia 29 de Dezembro de 1937. Filho de um alfaiate, Manuel Joaquim Pereira Arrais e de Cândida Rosa Correia, o menino teve uma infância feliz: “Era como uma ave voando pelos campos.”
Frequentou a Escola Primária e, tirado o diploma da quarta classe, essa era norma da época, estava apto para enfrentar a vida, “pronto para fazer qualquer coisa.” Não teve que esperar muito porque aos onze anos entrou para a serralharia do Manuel da Barroca, na condição de aprendiz de torneiro mecânico. Mais do que do brilho da forja ou o moldar dos metais, o que emocionou o miúdo foi andar na rua com o fato de trabalho, um macacão envergado com o orgulho e o garbo de um general. “Com vaidade”.
Entretanto iam chegando à aldeia cartas do Brasil, cartas do tio, falando de uma terra maravilhosa, repleta de oportunidades. Cartas sedutoras que, em Agosto de 1950, lhe levam o pai para terras brasileiras. No ano seguinte chega a carta de chamada para o resto da família, impondo uma longa travessia e o adeus à terra natal.
Aristides Correia Arrais tinha treze anos. Ao longo de 18 dias, atravessando o Atlântico, aprendeu a maior das lições. Ficou a saber que há lugares de onde nunca se parte, porque vão connosco. São parte de nós.
“Cheguei ao porto de Santos, fim de tarde, junto de minha mãe e irmãos, onde já me esperavam, meu pai e mais meia dúzia de parentes. A subida da serra, rumo ao planalto bandeirante, durante cerca de duas horas, foi algo muito cansativo... mas chegamos finalmente à cidade de São Paulo”.
Começou ali uma nova escalada, desta vez enfrentando os desafios da vida numa terra que, apesar de generosa e bela, logo lhe lembrou a condição de estrangeiro.”As piadas sobre os portugueses me incomodavam, me complexavam. Ultrapassei o problema e libertei-me do complexo porque comecei a guardar na memória todas essas piadas, e se me contavam uma eu respondia contando três ou quatro.”
O primeiro emprego chegou uma semana depois do desembarque. Como ainda não tinha 14 anos, precisou de autorização especial do juiz de menores para trabalhar como paquete na Associação Comercial de S. Paulo. O aprendiz de torneiro mecânico virava “office boy” e nas reuniões da direcção fazia a distribuição do microfone, entre cafés e águas frescas. Um novo mundo se abria ao Aristides que, meio ano depois, fazia o curso de prática de escritório, seguido por outro, de estenografia. O que não bastou para satisfazer a ambição de conhecimento. Nos tempos livres aplicou-se ao estudo da História e Geografia do Brasil com o objectivo de fazer “exame de admissão ao Ginásio” (Liceu). “Comecei a estudar, a tentar ser melhor.”
É mais um desafio vencido. Quando se prepara para escolher a “área clássica”, pensando então num curso de História ou de Língua Portuguesa, o trabalho numa empresa de géneros alimentícios afasta-o do centro da cidade e de tal intenção. Aos 20 anos, trabalhando na Colgate-Palmolive, começa a frequentar um curso de técnico de contabilidade. Logo depois surge o casamento, a que se sucedem dois filhos,”quase de rajada”, e um novo desafio profissional numa fábrica norte-americana. “Aí ser técnico de contabilidade já não era suficiente. Faltava a Faculdade.”
O sonho concretiza-se aos 33 anos quando, com 3 filhos, regressa a S. Paulo e ao trabalho na banca. “Fiz o vestibular e entrei na faculdade. No ano seguinte fiz Ciências Contáveis, Curso Superior de Contabilidade e aí os professores me desafiaram a fazer Economia. Tirei o curso, sou formado, mas não sou economista.”
Em 1985, depois de voltar a trabalhar na banca, assume o cargo de director financeiro de uma empresa de fiação e tecelagem, de onde sai quando chega a reforma. Mas era cedo para ir repousar junto ao oceano. Depois de trabalhar numa correctora, ligada à uma empresa de bacalhau, monta uma fábrica de confecções, especializada em fardamento para estudantes. O projecto empresarial durou até ao dia em as máquinas desapareceram e a fábrica ficou vazia. Coisas que acontecem no Brasil…
A última experiencia profissional aconteceu no Rio Grande do Sul.
Actualmente vive, em segundas núpcias, com Maria Anami Vieira de Sousa Arrais, na Praia do Francês, estado de Alagoas. É o nosso Arrais, embaixador junto a um mar quente, com peixes coloridos e um imenso coqueiral. Por lá dizem-no português, por cá chama-lhe brasileiro. Ele é isso tudo e mais ainda. É o cidadão, é o activista cívico, é o cronista, é o bustuense e nele vive também a memória fresca de uma infância feliz.
Maré alta meu Arrais, maré alta!
Belino Costa